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‘Dia de Finados’: O luto, a dor como parte da experiência de amar

Texto: Dra. Renata Silva*

O luto é uma dor que nos atinge profundamente, nos deixa sem chão e traz uma avalanche de emoções difíceis de compreender. Esse processo pode envolver várias fases, como negação, raiva, barganha, tristeza profunda e, finalmente, aceitação. Porém, cada pessoa passa pelo luto de forma única, e o caminho não é linear.

Em meu trabalho como psicóloga, acompanho muitas pessoas que, diante da perda, se sentem paralisadas pela dor, isoladas e sem esperança. Para esses casos, utilizo a Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT), uma abordagem que nos ensina a acolher a dor como parte da experiência de amar. Com a ACT, não tentamos “superar” o luto, mas sim integrá-lo, encontrando uma nova forma de viver e honrar quem partiu.

Na ACT, trabalhamos com a concepção de que a dor é uma experiência humana natural, especialmente em situações de perda, mas que o sofrimento surge quando tentamos evitar ou controlar essa dor a qualquer custo. Em outras palavras, enquanto a dor é parte do processo de luto e da adaptação à nova realidade, o sofrimento ocorre quando, ao resistirmos a essas emoções, acabamos intensificando-as e dificultando nossa recuperação.

Na terapia, buscamos ajudar a pessoa a acolher a dor com compaixão e aceitar suas emoções, sem lutar contra elas. Isso permite que ela lide com o luto de forma mais leve, reduzindo o impacto do sofrimento e direcionando a energia para reconstruir uma vida que seja significativa, mesmo após a perda.

É sobre ajudar a pessoa enlutada a se conectar com o momento presente e a construir uma vida significativa, reconhecendo que a dor pode coexistir com outras experiências valiosas.

Durante o processo terapêutico, alguns pontos essenciais são trabalhados:

  1. Aceitação das Emoções: Em vez de lutar contra a dor, aprendemos a aceitar as emoções que surgem no luto, como tristeza e saudade, sem a necessidade de “consertá-las” ou escondê-las. Sentir é permitido, e essa aceitação já traz um certo alívio.
  2. Desfusão Cognitiva: No luto, pensamentos como “nunca mais serei feliz” ou “não vou conseguir viver sem essa pessoa” podem surgir. A ACT nos ensina a olhar para esses pensamentos com distanciamento, percebendo-os como eventos mentais e não como verdades absolutas. Essa prática permite que a pessoa se liberte de uma identificação rígida com pensamentos dolorosos, facilitando um processo de luto menos paralisante.
  3. Reconexão com Valores: A terapia ajuda a identificar e reconectar-se com o que ainda é importante, como honrar a memória de quem partiu, manter relações que dão sentido à vida e até descobrir novas formas de cuidar de si mesmo.
  4. Contato com o Momento Presente: O luto muitas vezes nos prende ao passado ou ao futuro — lembranças de momentos vividos e o medo de uma vida sem a pessoa amada. A ACT convida a pessoa enlutada a focar no presente, valorizando pequenos instantes e as conexões que ainda existem. Esse contato com o agora pode suavizar a dor e trazer breves momentos de alívio e presença.
  5. Ação com Compromisso: O luto é um processo, e a ACT valoriza ações que nos permitam seguir em direção aos nossos valores, mesmo com passos tímidos. Isso pode incluir atividades em memória da pessoa, momentos de autocuidado, buscar apoio emocional ou explorar novos caminhos. A ação comprometida nos lembra que, apesar da dor, ainda há vida e passos a serem dados.

No livro A Morte é um Dia que Vale a Pena Viver, Ana Claudia Quintana Arantes explora como a consciência da morte nos relembra a preciosidade da vida. Lidar com o luto não é deixar de sentir, mas aprender a conviver com a dor de uma forma que permita encontrar sentido e manter os laços de amor que ainda estão presentes.

Assim, a terapia não busca “superar” o luto, mas integrá-lo de uma forma que respeite a profundidade dessa experiência. Ela nos convida a abrir espaço para a dor e, ao mesmo tempo, a reconstruir uma vida alinhada aos valores e ao amor que essa perda representa. Trabalhar o luto com a ACT permite vivê-lo plenamente, com autenticidade e propósito, transformando-o em um processo de crescimento e significado pessoal.

A dor da perda é natural e faz parte do processo de adaptação à ausência de alguém querido, mas em alguns casos, o luto pode se intensificar e desencadear condições como depressão e ansiedade. Quando a tristeza profunda se torna persistente, a pessoa pode perder o interesse em atividades diárias, sentir-se sem esperança e enfrentar mudanças no apetite e no sono – sintomas comuns da depressão. Já a ansiedade pode surgir como um medo constante do futuro, insegurança ou preocupação exagerada com outras perdas, criando um estado de alerta que afeta o bem-estar.

Em alguns casos, o luto que é uma manifestação natural  e esperada da perda, pode se prolongar e se tornar incapacitante. Nesses casos, profissionais da Saúde Mental reconhece como o Transtorno de Luto Prolongado, descrito no DSM-5-TR (Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais) no ano de 2022, como um diagnóstico psiquiátrico/psicológico, caracterizado por sintomas como tristeza extrema, isolamento e um impacto significativo no dia a dia. Esse diagnóstico é especialmente relevante para quem, após mais de um ano, ainda se sente paralisado pelo sofrimento, nesses casos o acompanhamento psicológico e por vezes também psiquiátrico se faz necessários.

Se você está passando por essa dor, saiba que não precisa enfrentá-la sozinho. Acolhimento, escuta e uma abordagem cuidadosa podem ajudar a encontrar sentido na perda e construir, aos poucos, um caminho de paz. A terapia oferece apoio e cria um espaço onde o luto pode ser vivido com autenticidade e autocompaixão, permitindo que a dor se torne parte de um processo de crescimento e transformação pessoal

*Renata Silva: A autora é psicóloga, com destaque a abordagens como a Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC), entre outras.

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